Para
a reflexão de hoje baseio-me no segundo livro dos Reis no capítulo cinco. Nesse
texto encontra-se a história de um milagre recebido por Naamã, um líder do
exército Sírio. A vida desse homem é bem conhecida e muitos já cantaram hinos a
respeito dele nas escolas dominicais. Hoje, portanto, quero me aprofundar no
que esse milagre representou para a sociedade da época.
Após
definir as questões sociais daquele momento irei trabalhar esse milagre do
ponto de vista individual. Ou seja, o caminho trilhado será do macro para o
micro. Das questões sociais da bíblia até as questões individuais.
Faço
esse caminho para mostrar que o sentido da realização dos milagres não são as
satisfações individuais, mas sim referem-se aos propósitos que estão por
detrais dos acontecimentos. Nesse caso propriamente a valorização da mensagem
do profeta Eliseu, que naquelas circunstâncias denunciava a idolatria de
Israel.
O
Rei de Israel nesse tempo era Jeorão, filho de Acabe e Jezabel, que seguiu os
mesmos caminhos de idolatria de seus pais.
Antes
do período monárquico não havia a necessidade de Deus levantar profetas, quem
exercia a função de liderança eram os Juízes. Porém, Com a unificação do poder
houve a necessidade de profetas, que falavam o que Deus desejava.
Considerações
históricas, políticas e sociais do milagre de Naamã
Um
milagre, por mais individual que seja e por mais isolado nunca é individualista,
pois está incluso em contextos sociais. Com o caso de Naamã não é diferente.
Esse acontecimento representa mais que um homem desesperado a procura de um
milagre, pois diz respeito aos conflitos existentes entre duas nações.
Vamos
aos fatos: (I) Naamã sabe do profeta através de uma escrava. Isso mostra que já
houve batalhas entre Israel e os Sírios e estes venceram levando boa parte da
população civil para servir de escravos. A guerra foi amenizada através de uma
subordinação dos Israelitas onde esses mesmos deveriam pagar impostos.
Não
havia nos planos de Deus nenhum desejo de salvar Israel dos Sírios. O próprio
Deus havia dito que o Rei da Síria era seu Servo e o usaria para corrigir a
Israel, tanto é que alguns anos depois isso de fato ocorreu, permanentemente
(II)
Haviam diferentes concepções sobre Deus. Para
o rei da Síria era alguém que poderia fazer sua vontade através de barganhas.
Ele
tem o desejo de ver seu Capitão curado e para isso manda muitos presentes para
o Rei de Israel com essa finalidade. A sua mente funcionava a partir de uma
lógica matemática. Quanto devo dar para obter o que quero?
Essa
ideia é muito comum nos dias de hoje, com forte influência das barganhas
encontradas na lei de oferta e procura dos dias de hoje, prevalecendo a ideia
de que Deus é um produto e Jesus é uma mercadoria que vende bem.
O
deus do Rei da Síria era aquele que podia ser comprado com sacrifícios, o nome
disso é magia, acredita-te que pela mandinga pode-se manipular o sagrado. Não
existe aqui uma ideia de sujeição a Deus e sim de manipulação para força-lo a
fazer as vontades de quem sacrifica.
No
relacionamento com essas divindades a pergunta sempre caminha no seguinte: o
que devo fazer para alcançar minha vontade? Quanto de presentes e ofertas devo
entregar para ter sucesso?
Nos
dias de hoje essa teologia ganhou corpo e sistematização, podendo ser chamada
de Teologia da prosperidade. Observe que não estou dizendo que Deus não pode
prosperar a vida do fiel, nada disso, apenas afirmo que na bíblia todas as
vezes que alguém sacrifica algo para receber benesses ou forçar Deus a fazer o
que Ele não aprovou, acabou praticando a feitiçaria. Os sacrifícios na Bíblia
são sempre em gratidão, remissão de pecados e adoração, nunca para
prosperidade. São os ídolos que gostam de receber presentes para realizarem
algo.
Deus
jamais aceitou ser manipulado por quem quer que seja. Nossa oferta, portanto,
não é para fazer com que Deus se sujeite a nós e sim para que reconheçamos seu
poder.
Para o rei de Israel
era um ser poderoso, mas que estava distante demais para ajudar.
Certamente ele ouviu falar dos milagres que Deus operou no passado, mas estava
tão mergulhado em seu cotidiano que não conseguia se livrar das leis naturais e
já não acreditava nos milagres de Deus. Suas experiências o remetiam somente ao
passado e Deus para ele era apenas uma estória.
Caso
não conseguisse realizar os desejos do rei da Síria uma nova guerra poderia ser
estabelecida. E isso era ruim porque Israel nessa época era visivelmente
inferior.
Para a menina era o
Deus da provisão, aquele que fornece o pão na hora da necessidade.
O sofrimento, ser tirada do meio do seio de sua família, e todas as
dificuldades que a vida lhe atacou, fez com que ela se agarrasse fortemente em
Deus. Porque poderiam tirar tudo dela, sua casa, sua família, tirá-la de seu
templo, de sua cidade, mas não conseguiram entrar em seu coração e mudar a
visão que ela tinha de Deus.
Ela
não queria saber das lutas políticas e religiosas existentes em nome de Deus.
Não queria saber de doutrinas e teologias que discursavam a respeito de Deus.
Ela apenas adorava e servia a Deus.
Quando
ela vê que Naamã era leproso não guarda para si o que Deus poderia fazer, mas
sim, procura prontamente dar testemunho de Deus e de seu profeta.
Para Naamã era o último
recurso de sua vida, a última aposta de tantas outras que já procurou para
obtenção da cura. Estava desesperado. Provavelmente já
tinha zombado da fé dos Judeus, mas a necessidade o fez chegar diante de Deus.
E portanto, não tinha outro caminho a fazer a não ser se submeter a Ele, porque
tudo o que ele procurou anteriormente não tinham surtido resultado.
(III)
O Rei de Israel estava em conflito com o profeta. Eliseu já há muito denunciava
a idolatria da casa real e insistia que o único Deus a ser adorado deveria ser
Javé.
Essas
questões não são simples, porque o reino estava em reais perigos e para manter
a vida das pessoas o rei de Israel se envereda para a idolatria. E, diversas
visões e interpretações sobre Deus estavam em jogo.
Haviam
problema entre profetas e reis. Onde Eliseu dando sequencias ao ministério de
Elias denuncia a idolatria contida na vida da comunidade de Israel. Idolatria
advinda das alianças que o rei realizou para garantir seu posto. Ou seja, o rei
perverteu princípios para que garantisse seu poder.
O
rei reconhece a sua limitação e rasga suas vestes, pois a não realização desse
milagre poderia ser conhecido como ato de subversão. Até porque, Israel não foi
destruído em outras ocasiões pela ação milagrosa de seu Deus. Se o rei dissesse
que não tinha poderes para curar esse homem poderia haver a interpretação de
que esse Deus havia perdido o poder e que por isso poderiam ser novamente
atacados e destruídos.
Eliseu
não estava bem com o rei de Israel, este havia feito o que era mal aos olhos do
Senhor. O rei de Israel estava em apuros. O milagre de Naamã foi uma disputa de
poder entre qual o Deus verdadeiro. Se era aqueles seguidos por Israel ou o
Deus de Eliseu.
A
cura de Naamã foi um ponto chave no ministério de Eliseu que mostrou qual o
Deus verdadeiro. Profetas e reis são contemporâneos. Na bíblia os profetas só
surgem depois que se cria a monarquia. Os profetas servem como parâmetro e
bússola para mostrar aos reis quais os caminhos a seguir. Pois, a tendência dos
reis é se guiarem pelos seus próprios trilhos.
Eliseu
pede para que Naamã fosse até ele quando sabe que o Rei rasgou suas vestes (II
Reis 5: 7), em um momento de desespero do Rei. Essa é uma disputa para ver quem
de fato estava com a verdade. Se era Eliseu seguindo seu Deus ou era o Rei com
as alianças políticas que ele havia feito. E nessas alianças estavam também a
aceitação irrestrita dos deuses dos outros governantes. A luta aqui é contra a
idolatria.
Os
pontos mostrados até esse momento são referentes às questões macro históricas,
vejamos como elas exercem força sobre os pontos individuais da vida de Naamã.
O conflito de Naamã
Naamã
tinha alguns problemas pessoais que precisavam ser resolvidos. Ele era homem de
muito sucesso e conquistas, porém estava com lepra. Essa doença, em muitas
culturas, era sinal de maldição.
Ele
era um chefe do exército e estava leproso. Haviam dois sinais diretos em sua
vida. O primeiro é que este era um vencedor pelas batalhas que conquistou e a
segunda era o sinal de maldição estava sobre sua vida devido a lepra. Duas
situações completamente antagônicas.
Naamã
não era Israelita, pois se fosse deveria estar em um leprosário (devido a
cultura dos Israelitas), em local afastado da cidade. Na verdade eles faziam
isso para que essa doença não se espalhasse entre os demais e consequentemente
a maldição também não se espalhasse.
Poucas eram as pessoas que conheciam a
fragilidade desse soldado. A maioria das pessoas viam somente sua armadura,
seus familiares, porém lhe conheciam como o leproso, aquele que estava
desesperado por uma ajuda.
Enquanto
muitos tinham ideias divergentes sobre Deus, esse homem é levado até Deus por
uma necessidade, como recorrentemente ocorrem nos dias atuais.
Não se pode julga-lo por isso. É normal do ser humano estar preocupado com
outras coisas durante a vida.
Um
ponto interessante da vida desse soldado é que enfermidade lhe reestabeleceu
prioridades. Fez com que as coisas que realmente tivessem valor voltassem a
mente. Geralmente os seres humanos nunca se preocupam com a saúde até que a
idade chega.
Reconhecer
a fragilidade é um ato de coragem, foi essa a indicação do profeta Eliseu para
ele. O maior milagre não foi Naamã ter recebido a cura, mas sim ele se aceitar
como de fato era, um leproso que precisava da provisão divina.
Conclusão
As
questões históricas existem e não podem ser ignoradas. Elas são decisivas e
importantes para o desenrolar da história. Como nesse caso a história de Israel
estava em jogo no conflito com os Sírios.
Apesar
dessas questões macro, também existem as razões micro que envolvem nossas vidas
e cotidianos. No caso de Naamã isso é evidente.
Muitos
poderiam questionar se Deus estava preocupado com alguns anos a mais na vida de
um homem que nem judeu era. Minha resposta é sim. Ele estava preocupado com a
vida de Naamã enquanto outros de Israel estavam morrendo precocemente.
Dizer
que tenho respostas para esse desparate, na verdade não tenho. Apenas posso dizer
que o que ocorre com Naamã tem apenas um nome: Graça! E é em nome dela que a
história sucede seu curso.